14 de mar. de 2011

Saudade

Deixa ser, deixa estar. Um dia ela passa.

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Uma vez, você me disse que não sentia saudades. De nada, absolutamente nada. E que tudo que você já viveu, te trouxe até aqui por uma razão. Eu não quis te falar na hora, mas eu não acredito em você. Te ouvir falar aquilo foi quase como uma flecha no coração e eu quase discordei e discuti, não fosse pela vontade de acabar com essa mania de sentir saudade o tempo todo, a toda hora. Mas agora eu estou aqui, sentada naquele velho banquinho, observando o movimento dos carros apressados e martelando na cabeça como será possível alguém não sentir saudades. Como será possível simplesmente aceitar o fato de que passou e pronto, não volta mais.

Eu não consigo fazer assim, como você e eu me dei conta disso de imediato. Foi quando eu lembrei das fotos do colegial, dos bilhetinhos na hora da aula, da cola na prova final e daquele dia em que fui para o cinema, tarde da noite, com poucas e boas amigas e pensei que ficamos presas na sala. Eu não consigo esquecer daquela noite chuvosa quando eu voltei pra casa toda molhada, com o meu sapato novo estragado e meu cabelo completamente bagunçado. E demorou uns três dias para que ele voltasse ao normal.

Por favor, não me julgue mas é porque eu ainda não sei o que fazer do cartão postal de Nova Iorque, do dia de St. Patricks em Nova Jersey e, muito menos, das minhas amigas e da gente formando o quarteto “Troubles”. É que eu queria poder voltar para aquela noite na praia quando a gente resolveu tirar a roupa e se atirar no mar, depois de várias tentativas erradas de enganar o segurança do bar e entrar com uma identidade falsa. É que eu queria voltar só pra viver de novo aquela noite em que eu me apaixonei e jurei que ia dar certo, mesmo sabendo, hoje, que não deu. Naquela noite, eu pensei que iria e era o que importava.

A minha vontade é só de poder voltar no tempo, por um minutinho só. E eu não iria mudar nada. Tudo iria ser do jeitinho que foi, mesmo com os defeitos, as crises, os dramas, os vacilos e os caras desconhecidos. Tudo, de verdade. É que, às vezes, me dá aquela sensação aperreada e angustiada que quase me deita na cama e me faz dormir. É uma saudade que muda numa velocidade incrível. Uma hora ela é tranquila, bonita e saudável. Noutra, ela me atormenta, me sacode e me dá arrepios. É que eu tenho vontade de voltar à Nova Iorque e vagar pelas ruas de madrugada e, também, voltar àquela viagem maluca à Miami, onde a gente bebia escondida num copinho da starbucks.

Pode parecer exagero ou até mentira pra você, mas eu sinto uma angustiada saudade das noites na cidade vizinha, quando a gente tomava umas doses a mais de tequila e já estávamos amigas íntimas de todos os seguranças do bar. No outro dia, eu lembro bem, a gente se reunia na cozinha e começava com aquele papo sério de que fomos ridículas e que teríamos que parar com tudo aquilo. Na maioria das vezes, a decisão não durava nem um dia. Mas a gente ria e se divertia ao voltar pra casa, no carro, berrando os novos hits do verão “Dynamite” do Taio Cruz ou “Oh My Gosh” do Usher. Eram noites felizes.

Muitas vezes, já me ocorreu de estar sozinha sentada na pontinha da cama, remexendo nas caixas empoeiradas ou vasculhando as mil e umas pastas e arquivos do meu computador. É muito que eu encontro. São os cartões de natal, os palitinhos de picolé não sorteados e até mesmo aqueles cordões velhos de carnaval. São as fotos no avião, dos primeiros amigos no exterior e da primeira visita à Estátua da Liberdade. Quando menos se espera, a saudade vem e pega e agarra, sem rodeios, sem mais nem menos. É porque a saudade não tem hora marcada, nem grau de intensidade. Ela vem e encontra a gente distraída. É uma das poucas coisas na vida que a gente quando procura, acha e quando não procura, também acha. É meio como um ciclo vicioso e medonho. Ninguém escapa e é por isso que eu não acredito em você.

Eu já ouvi muitos sermões e até já pensei e escrevi a respeito. É um tal de “passado é passado. Vai parar a sua vida pra ficar pensando no que não volta mais? Tá desperdiçando o seu presente” e blá blá blá. Tudo bem. Tem até um pouco de lógica em toda essa ladainha, mas saudade nada tem a ver com o que está certo ou errado na vida agora. Nada tem a ver com o presente. Saudade é saudade. É querer algo de volta porque foi bom e foi marcante e foi único. Algumas vezes na vida, a gente sabe quando, dificilmente, será capaz de sentir aquilo novamente. E é disso que a gente sente falta, do que não pode mais existir.

É porque a saudade pega a gente de um jeito sem medidas. É aquele bombom que passa voando e que a embalagem dele faz lembrar alguém. É aquele perfume que ressurge de algum lugar e que a gente fecha o olho e lembra do alto da roda gigante e da noite estrelada. A gente nem percebe e já está ali, paralisada e encostada na árvore e tudo isso porque uma lembrança passou meio que de repente, na cabeça. E foi bom lembrar, e foi bom sentir um pouquinho daquilo de novo, nem que dure o tempo máximo de cinco segundos. É a vontade de ter, de viver e de sentir só mais uma vez.

No fim de tudo, eu percebi que é de tudo que eu sinto saudade e que eu estou completamente ferrada. Eu sei, não é fácil e também não pode ser normal essa minha vontade absurda de voltar atrás. Mas, tudo bem, deixa ser. Deixa estar. Um dia ela passa.

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