Tá, do primeiro beijo a gente nunca esquece. A gente também não esquece da primeira bicicleta, da primeira viagem pra longe, do primeiro celular ou do primeiro carro. Assim como também não esquece do primeiro "fora". E eu não falo daquele "fora" meio torto quando você solta um olhar discreto pro colega da escola quando ele, na verdade, tá trocando figurinhas com a menina que senta bem atrás de você. Também não falo daquele cara que você jurou tá te olhando a noite toda mas que chamou a primeira saia curta, que apareceu, pra dançar. Eu estou falando do verdadeiro "fora". Daqueles que te fazem ficar sentada na cama, se perguntando o que aconteceu ou o que você falou de errado, imaginando cem diferentes possibilidades que fazem fila pra virar verdade e fazer um pouco de sentido no meio daquilo tudo.
É que ele chega perto, mais perto e te faz acreditar que talvez dê certo. Tudo que ele fala traz um pouco de graça e melodia juntas, como se ele tivesse planejado palavra por palavra só pra te roubar um sorriso desinibido e te imaginar fazendo aquela cara cética de "Pô, que cara legal". É porque ele conversa com você e fala da profissão, da familia, dos problemas do mundo e da paixão que ele tem em colecionar isso ou aquilo pelos cantinhos do quarto. E ele espera também te ouvir falar e sem nem perceber você já se entregou em detalhes. Você se atropela nas letras perdidas por ter sido pega de surpresa, ao ter a chance de ter um papo bacana sem que você esteja na cama, com ele. E você fala dos seus planos, das suas saudades e de como você anda viciada em Ben Harper. Ele só te ouve e depois vai soltando aquelas provocadas saudáveis de leve, de mansinho pra não te assustar ou não te fazer confundí-lo com os outros caras. É que ele te faz acreditar que aquelas ligacões no meio da tarde ou as horas que passam rápidas nos chats são as duas coisas que mais te agradam no dia e na semana inteira.
E ele é tímido mas parece se soltar com você e a conversa flui de um jeito incrivel, como se vocês já soubessem o que falar. Parece se escorregar na leveza que um cutuca o outro. Só que chega uma hora que dá vontade de se ver, de se tocar e de se olhar de verdade. Então, vocês marcam um encontro daqueles quetinhos, suaves e quase desconcertados por já saberem do que se trata. E surge aquele friosinho bom de sentir na barriga e aquela sensação de que algo a mais pode ser dito e sentido. E você fica nervosa de uma maneira esquisita. Talvez porque você nem estava tão afim dele, mas porque existia um pouco mais de intimidade pra um primeiro encontro e ela pode ser constrangedora e transparente demais. Mas tudo bem, você pensa, ele é legal.
É curioso como a vida se encarrega de empurrar as coisas pra frente e é engraçado como a maioria dos seus amigos percebe isso antes de você. É que já tava passando da hora, mas agora que ela chegou, eles te enchem de perguntinhas e demonstram estar mais ansiosos do que você, ao esperarem por esse dia. E você se finge de boba, como se não tivesse notado o tempo passar. Mas ele passou e o dia chegou. Você vai ao salão e faz a unha pela segunda vez na semana, depois demora pra escolher a roupa até que entra num consenso. É porque a roupa não pode ser muito curta e provocante mas também não precisa ser sem cor e três centímetros abaixo do joelho. Você escova os cabelos, escolhe a dedo a maqiuagem ideal e depois de borrar umas cinco vezes, você se convence de que tá bom, tá maneiro e que ele vai gostar. Faltam vinte minutos e o perfume fica pra quando ele tiver mais perto de chegar. Tá, faltam dez minutos e talvez já seja hora de se perfumar pra não ficar muito forte e fazê-lo vomitar, no minuto que você entrar no carro. Tudo isso porque é perturbador ficar parada.
São oito horas da noite e nada dele ligar. Você não vai apressá-lo, afinal de contas, homens também se atrasam. "Que saco! Ele está realmente atrasado". Mas beleza, você mora longe e ele, certamente, já estava no caminho. Só que não era verdade. E você ficou sentada, durinha pra não amassar o vestido e atenta para o celular, achando que, a qualquer momento, ele iria ligar. Mas ele não ligou, não mandou mensagem, não entrou no facebook, no twitter ou qualquer uma dessas bobagens. Ele não apareceu e você podia passar horas inventando desculpas e tentando entender o que não aconteceu. Mas não, foi furo admitir, mas você se deu conta de que tinha levado o primeiro VERDADEIRO FORA da sua vida. E não importava mais saber qual era o motivo, a desculpa ou o endereço do bar que ele estava com os amigos. Porque em encontros como este, não cabe o imprevisto. Ele já tinha perdido o encanto e voltado pro fim da lista.
É então que você percebe, com um olhar meio perdido, que não tem limites quando se trata dos tipos de homens que existem e que talvez aquilo fizesse parte do que já estava escrito. Porque já teve aquele que te disse na cara que era só curtição e também aquele que queria casar com você antes mesmo do primeiro beijo. Teve um outro que te colocou num pedestal e no outro dia estava com outra, fingindo que nem te conhecia e também aquele que disse estar apaixonado pelo teu sorriso, o teu cabelo e o teu sotaque divertido. E agora tem esse que chega calminho, que gosta de ouvir como foi o teu dia corrido mas que perde o primeiro encontro. E você nem colocava fé nesse lance. Só que um dia passa, mais rápido do que você imagina. É porque você se convence de que esse é o grande risco que todo mundo precisa correr quando tem um coração que pula, grita e se coça todo por dentro quando sabe que pode sentir. E você vai falar, se questionar, e continuar falando até que vai se encher daquilo e vai deixar pra lá, embora você nunca esqueça do seu primeiro verdadeiro "fora" da vida.
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