Durou o tempo que foi merecido.
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"You are a nice girl, pretending to be a bad girl". Foi com essa frase sua que fui dormir noite passada. A gente tinha acabado de chegar de uma festa e deitamos na sua cama, um de frente pro outro. Você olhando pra mim com seus olhos quase tímidos e, ao mesmo tempo, prontos para atacar. Foi quando eu sorri meio que maliciosamente e você me descobriu. Eu travei, quase que cética, por você ter me descoberto tão espontaneamente e descaradamente que me surpreendeu. Você não precisou de muito para saber tudo aquilo que eu estive negando por todo o meu tempo. Talvez eu tenha te dado de bandeja o que eu nunca nem mesmo mostrei pra ninguém. Talvez algo me fez sentir-se imune a ti.
O quarto estava escuro e eu podia ouvir a melodia de uma música calma que vinha da porta entreaberta. Eu lembrei o dia que saímos para jantar e que você pediu uma salada só pra me acompanhar numa dessas dietas malucas, que quase nunca funcionava. Você comia fazendo careta e, entre uma garfada e outra, tomava dois goles de cerveja, contrariando todo o plano que você teve de começo. E eu achei a atitude mais ingênua e doce do dia. Você pagou a conta e quando a gente estava de saída, você se ofereceu pra segurar minha bolsa pesada que parecia maior que eu. E eu queria mesmo tirar uma foto, só pra mostrar aos duvidosos o tamanho da sua sensibilidade. É porque você era gentil e, ao mesmo tempo, esnobe. Você tinha aquele jeito selvagem de sorrir com os olhos, com a boca e com os seus cílios enormes de cor clara.
Eu fui dormir pensando no nosso primeiro encontro, de como o seu sorriso me dizia mais do que devia e como você ficava bravo por isso. Eu lembrei o desespero que me deu por você ter me ignorado por longos seis dias. Eu podia jurar que no dia seguinte você iria ligar e não aconteceu. Nenhum sinal. Foi quase como um soco na minha cara e eu quase pude ouvir vozes que repetiam "I told you, I told you". E me deu uma raiva e uma vontade de te procurar só pra fazer você cuspir toda a sua farsa de bom moço. Mas aí, numa tarde vazia, eu senti meu celular vibrar e era você, se desculpando pela demora e sacudindo o meu dia. No meio de uma avenida movimentada, eu lembro bem, soltei as mãos do volante e comecei a cantar bem alto feito uma louca mas feliz. Naquele dia, minha alegria se extravasou por todas as beiradas e eu nem pude me conter. Foi inspirador e eu me contagiei de você.
Algumas vezes, eu ficava observando você enfiado debaixo do edredom com carinha de sono e quase implorando por uma massagem nas costas. Foi quando eu comecei a me apaixonar por você. E eu lembro que ficava brava quando você exibia aquela cara de "é só mais uma" sempre que perguntava o dia que eu teria que ir embora, mas, na verdade, não querendo que esse dia chegasse. Você apertava meu braço com força, me pedindo pra ficar a noite toda e quase me fazendo chantagens. Eu lembro que os meus dias ficaram alegres, bem humorados e cheios de você. E eu senti saudade de quando eu saltava da cama ao ouvir o primeiro toque do celular e das dores musculares causadas pelos movimentos apressados pra te encontrar.
Sem perceber, eu já tinha te entregado tudo. Eu já tinha me disponibilizado inteira pra você. E eu costumava me perguntar se você também se sentia assim ou se eu estava fantasiando demais aquelas noites repentinas. Uma vez, eu quase me convenci disso e quase desisti de tudo, não fosse por aquela noite quando você chegou de mansinho e disse a frase mais doce que eu já ouvi em toda a minha vida, "I could be here, the whole night, watching you". E eu pensei que tinha entendido errado e que meu inglês estava murcho e enferrujado. Mas não estava. E eu sorri com o coração como eu não fazia a muito, muito tempo.
Eu fui pra casa tonta, sem ar e quase inconsciente de tanto martelar na minha cabeça de que poderia não ser nada ou que poderia ser um blefe ou a garantia de uma próxima noitada. Aquilo me atacou a noite inteira e todos os meus dias seguintes. Eu só pensava em você e de como eu tinha vontade de cruzar com o teu olhar em cada esquina ou em qualquer mesa de bar que eu fosse. Você construiu e fez parte dos melhores meses daquele ano distante e independente da minha vida. E eu mudei completamente de idéia e rezei com as mãos grudadinhas para que o tempo demorasse o dobro do que o normal, a passar. Eu não queria saber do que estava por vir nem, muito menos, do que não iria mais existir. Mas você teve medo e reagiu. Você percebeu antes que eu pudesse me preparar e sumiu, devagarzinho, como quem quisesse culpar as circunstâncias que surgiam.
Eu lembro bem daquela noite um pouco fria e sozinha quando você me deixou ir, sem nem insistir que eu ficasse por mais cinco minutinhos. E eu senti que algo tinha mudado. Você ficou o tempo todo de cabeça baixa, com os olhos desviados e com um sorriso acanhado. Você perguntou mais uma vez quanto tempo me restava e eu já sabia do que se tratava. E eu percebi que não haveriam mais noites engraçadas, abraços espalhados ou até mesmo aquele seu português arranjado. E eu senti saudade de quando eu fui pra casa vestindo a sua camisa tamanho large e me sentindo completamente protegida, como se isso fosse possível. Eu lembrei quando bebi demais e você me carregou pela escada, me deitou na sua cama e me cobriu com pelo menos três edredons, jurando que não iria fazer nada. Você cuidou de mim e limpou toda a sujeira que eu insistia em fazer pelos cantos da sua casa. Não haveriam mais noites no sofá, nem sua TV ligada, nem a gente rindo do fato de você gostar de Keeping up with The Kardashians.
Os meus dias voltaram a se desbotar e eu voltei a sentir náuseas. Eu lembrei quando você pegou um dos meus brincos só pra guardar de lembrança, quase que fazendo piada pelo fato de um dia eu ter que ir embora. E pra quê se, no fim, você partiu por esse mesmo motivo. E eu ainda te liguei algumas vezes, cheia de desculpas esfarrapadas só pra ouvir o que você tinha a dizer. Mas não dava você já tinha desistido da gente.
Eu, então, mudei junto com aquilo que você deixou em mim e fiz um monte de bobagens. Me fantasiei, me pintei e me disfarcei só pra você acreditar que eu poderia ser uma dessas garotas que não dá a mínima pra nada. Nem pra ninguém. Mas não funcionou e eu tive certeza de que você estava certo o tempo todo e que eu era mesmo o que um dia você tinha dito: uma boa menina que tentava ser "má". Eu deixei passar e fui conseguindo aceitar que não existia mais você nem, muito menos, nós dois caminhando pela calçada. Eu fui topando com as tuas palavras cruzadas e o tempo passou mais rápido. E foi no dia do meu vôo marcado que eu te mandei uma mensagem de texto e te disse adeus pelo toque de um celular. Você respondeu uns vinte minutos depois e a minha vontade foi de te dá um último abraço. Mas eu não tive coragem e nem você me pediu. Eu juntei, então, as minhas malas pesadas e voltei pra casa.