21 de fev. de 2011

Nós dois, uma sala de aula

calma, a gente vai se achar.
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Você veio de mansinho e sentou pertinho, do meu lado. Você achou que eu não saquei, mas eu vi quando olhou, a primeira vez, pelo canto do olho assim como quem não quer nada. E, depois, soltou um risinho que parecia estratégico, parecia até combinado. Foi estranho ver um cara como você assim, alto, forte, daquele tipo que não facilita pra ninguém, chegando na sala de aula e já dando aquela breve checada. Eu quase fiquei vermelha, não fosse pelo meu tom de pele que me livra desse tipo de evidência. Eu até fingi que não era comigo. Aliás, de fato, eu acreditei não ser comigo. Olhei pra trás, pro lado, pra frente e me dei conta de que era eu mesma e que estava sendo ridícula. Fiquei toda atrapalhada e estraguei tudo ao soltar um sorrisinho tímido quase que pedindo licensa pra poder existir.

Me segurei, me obriguei a não agir feito uma tonta e não adiantou. Soltei os cabelos e comecei com aquela mania irritante, que quase toda mulher tem, de ficar rebolando-os de um lado pro outro quando percebe que está sendo analisada. O professor falava, falava e eu fingia que entendia tudo, afinal é um ponto positivo a idéia de ser inteligente, esperta, cheia de conteúdo. E pra quem acha que a teoria de ser do barulho ou do fundão é sinal de ser charmoso e atraente, está completamente ultrapassado. Na verdade não passa de puro cinismo disfarçado. Ninguém gosta de gente burra. Então, lá estava eu, lá estávamos nós, com o livro aberto e a coragem de arriscar olhar, mesmo com a cabeça meio baixa e com o corpo um pouco curvado.

Perdida naquela concentração absurda que era exigida, eu deixei escorregar todo o meu estojo de lápis. A sala inteira me observava, inclusive você, só que dessa vez, sem precisar encobrir nada. Eu deixei, então, o cabelo esconder um pouco do meu rosto, numa mistura que acreditei ter sido de vergonha mas também de charme e fui sumindo, sumindo, até que ninguém mais estava olhando e eu dei de cara com as suas sobrancelhas sobressaltadas. E eu quis correr e eu quis sumir mas, a verdade, é que eu gostei do seu riso cínico antes de olhar pra frente para que eu pudesse sentir-me um pouco aliviada. E eu ainda grudei meus olhos em você por alguns segundos, tentando decifrar um pouco do que era aquilo tudo e qual poderia ser a sua música preferida.

Alguém bateu na porta e, ofegante, entrou uma menina alta, de cabelos longos e saia curta como uma daquelas patricinhas perfeitinhas e atrasadas. E você a acompanhou pelos passos, de cima a baixo. Eu virei o rosto e tentei advinhar quem de nós dois iria desistir primeiro. Você, por ter duas opções fáceis ou eu, por não querer bancar a babaca concorrendo a um posto de Miss Ninguém na sua lista disputada. E que se foda você, e que se foda ela e que se foda essa aula!

Eu não aguentei. Olhei, também, para aquela menina de cor pálida e, por fim, me convenci de que ela não era de nada. Um pouco de satisfação surgiu ao ver aquele cabelo todo assanhado, aquelas unhas enormes e aquela respiração ofegante por estar fora do horário. E eu esperei pelo bendito minuto em que você também iria perceber que ela é mesmo uma sem graça desastrada e aperriada. Não demorou muito e você encostou as costas na cadeira de trás e fingiu relaxar. Você tentou alongar o pescoço e, entre um segundo e outro, você conseguiu virar. E me olhar.

É um jogo meio rápido e, numa tentativa ou noutra, nós dois caíamos na nossa gargalhada contida, escondida e cheia de malandragem. Tudo isso porque nenhum dos dois conseguia dar o primeiro passo. Você não sabia meu nome e nem eu sabia o seu. Estávamos juntos, na curiosidade. E foi durando toda a aula até que chegou a hora da lista de chamada. Você atento de um lado e eu não querendo perder nada. O professor chamou o seu e o meu nome, e já tava tudo gravado. No fim, rolou aquele pequeno mistério de um olhar safado. E um plano foi, então, traçado.

Eu te acho, você me acha. No orkut, facebook, twitter ou até mesmo no blog da faculdade, mesmo sem trocar uma só palavra. E, foi assim que ficou combinado, embora, eu ainda prefira o tempo do envergonhado começo de fala: ei, me empresta sua borracha?? Meu nome é fulano, qual o seu?? Era tudo tão mais fácil! Mas, tudo bem, eu gostei do teu jeito tímido de escapar olhares.

E, agora, eu mal posso esperar pra saber qual o teu filme ou o teu livro favorito e a comida que você mais gosta. E eu quero saber o que mais você faz, do que você sente falta, do teu time preferido e se você tem namorada. E eu vou te checar nas fotos e observar o teu sorriso, nos mínimos detalhes. E você também, quem sabe. E, talvez com sorte e coragem, a gente solta um "OI" pro outro, estupidamente planejado, na próxima aula.
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