5 de fev. de 2011

O dia que eu decidir abrir mão de você

O meu coração vai ficar em paz.
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Meu coração já quase escapou batidas de tanto acreditar nas vezes que jurei te esquecer. Desenhei novos lugares, novas caras e novos personagens num pedaço de papel em branco. Colei bem na porta do meu quarto, de frente pra mim, só pra esquecer o brilho do teu olho cor de mel. Não funcionou. Eu até conseguia imaginar um novo rosto, uma nova forma e sentir um novo cheiro. O problema é que você ficava feito uma sombra ao redor de tudo. Eu quase podia ouvir você gritando para me alertar que eles nunca seriam você e que eu parasse de ser boba. Daí eu me rendia a compará-los e, no fim, você sempre ganhava.

É que aquele bonequinho que parecia perfeito, na verdade não era. Ele não tinha o seu jeitinho de contrair a boca e nem as suas sobrancelhas um pouco elevadas, quando queria me fazer sentir vergonha. Ele nem sequer olhava pra mim. Eu tentei, tentei e tentei, mas de alguma forma os olhinhos sempre se desviavam pro outro canto do quarto. Cheguei a acreditar que precisava de terapia. É que me dava desespero não conseguir fazê-lo olhar pra mim do jeito que você costumava olhar. Aquele olhar apertado e centrado que me amolecia. Eu desenhava e apagava. Pelo menos umas quinze vezes. De tanto tentar, o rostinho dele ficou esquisito. E então, como eu poderia substituir você?

Uma vez, eu cheguei até a perfumar o papel com um desses frascos que a gente guarda com peninha, só para momentos raros. E, mesmo assim, não adiantou. Desisti, então, daquele desenho torto de cores falsas. E eu pensei no cheiro que tinha a sua camisa que me fez desnorteada e foi difícil cair no sono. Na manhã seguinte, eu lembro bem, eu quis até vestí-la o dia inteiro só pra me sentir mais perto de você. Só que ela não me serviu muito bem. Eu me olhava no espelho e insistia em te achar e, então, cansei das várias voltas ao redor do banheiro.

A verdade é que algo seu ficou grudado aqui e eu não consigo me desfazer. Já passei madrugadas assistindo filmes de romance e cheguei a decidir que você já passou e que eu estou feliz. Até pude rir, um pouco, do meu alívio curto. E, então, eu lembrei daquela noite em que você me puxou pela mão, pra pertinho do seu rosto e perguntou quando a gente ia se ver. E me deu vontade de voltar para aquela noite, naquele bar. Já até tentei me convencer de que sua cabeça é meio desproporcional para o resto do seu corpo e passei horas de frente pra parede, insistindo pra mim o quanto egocêntrico você é e o quanto você erra, perde e omite. Eu procurei um defeitinho só para não amar você.

Eu quis fugir, eu quis me entupir de algo que não sei só pra esquecer que você existe. Eu desejei voltar para aquela noite, quando eu te conheci só pra marmelar toda essa fantasia boba que eu criei e que insiste em me puxar os cabelos, bem no meio da noite. Eu queria escapar dessa terrível sensação de que já te dei tempo demais.

Eu já até cheguei a acreditar que, talvez, você fosse uma afronta a natureza. Só assim para explicar aquela mania medíocre de fincar os pés no chão e sussurrar um “Oi” encabulado, quase sem mover os lábios.

Um dia, eu senti raiva de mim e quase me desprezei por insistir, estupidamente, em ver beleza no seu silêncio e paixão nas suas palavras pequenas, tortas e avulsas. Eu senti raiva de você e me deu vontade de te espancar e te chutar por você ser tão perfeito e, por quase me fazer pedir desculpas ao resto do mundo por ter te olhado a primeira vez.

Eu percebi que quando sinto vontade de partir pra outro lugar, há sempre uma palavra e um abraço teu que vem comigo. Quanto mais eu tento me decidir de que você não foi nada e de que eu estou bem, mais eu sinto aquela sensação de que você também carrega algo meu. E que eu não quero ter de volta. Algo me faz acreditar que esse amor se chega mais perto de não se acabar. E, então, eu decido desencanar e o meu coração percebe que não foi dessa vez, de novo. Um dia, quando eu não mais tentar me desculpar por você ser tão perfeito, eu crie coragem de me olhar no espelho e dizer que eu sou mais eu. E, assim, eu vou abrir mão do que, um dia, foi você.
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