16 de abr. de 2011

Até que a taça de vinho perca a graça

Quanto tempo exatamente leva pra que alguém perceba que o problema pode estar bem dentro, entre as paredes do seu próprio quarto?

Já faz algum tempo que eu mudei. Tudo começou quando, de repente, eu troquei o jeito que eu mexia os cabelos e a forma de penteá-los. Depois, eu mudei a meneira de se vestir e, também, as coisas que eu escrevia e os livros que eu lia. Minha maquiagem estragou, meus vestidos curtos se esconderam e a luz do meu closet já não precisava estar acesa para que tudo pudesse fazer sentido. Com a lâmpada queimada, eu ainda podia escolher o que vestir pra sair só pela estreita claridade que vinha da veneziana do banheiro. O que vier, o que puder, o que couber. Não vem ninguém na contramão.

Já faz algum tempo, eu sei. Eu voltei, eu mudei. Uma taça de vinho na mão, uma porta fechada e um sussuro no pé do ouvido quase pedindo explicação. E quanto tempo mesmo leva pra alguém perceber que algo está errado? Será esse um jogo de advinhações ou apenas uma estrada escura que não oferece muitas direções? E quanto tempo exatamente leva pra que alguém descubra o caminho de volta? De volta para o que antes fazia, o que antes comia, o que antes sentia? Ou será esse, um caminho sem volta? O mundo gira como quem não quer esperar e as palavras ficam soltas e confusas como que num céu nublado. E quando alguém percebe que está tudo se tornando irreversível?

As ruas estão vazias, ou não. E eu ainda procuro a diferença. Mesas lotadas de um lado, gente dançando do outro e uma banda alegre que toca uma música que contagia mas que não me move um músculo sequer. Quando exatamente alguém percebe que pode voltar atrás? Será essa a escolha errada ou será ela, a escolha que não existe? Poderá esse mesmo alguém encontrar uma forma de se reiventar e voltar a pentear e mexer os cabelos de forma envolvente, bem de frente ao espelho? E voltar a usar vestidos marcados, atraentes e que parecem dizer algo mais que "vai e volta logo"? E poderá esse alguém ensaiar um novo andar, um novo olhar, sem precisar mudar a direção ou o código da ligação?

A noite está agitada para alguns e silenciosa para outros. A música inspira alguns e agride a outros. Os carros têm luzes fortes e velocidades alteradas. Parece que o pé não obedece ao controle das mãos e o destino certo parece nunca chegar. O ponto final parece exato, de todas as maneiras que um dia existiram e que agora mudaram. Quando exatamente alguém consegue olhar para o que tem em frente e sentir vontade de avançar? E quanto tempo mesmo demora para que isso aconteça se alguém estiver disposto a aceitar? As coisas acontecem mesmo por uma razão ou a razão é simplesmente o dia que esse alguém vai levantar e sacar que já esperou tempo demais? Quanto tempo leva para que o pulo entre duas pedras, o salto entre dois rios estreitos e o pensamento entre dois mundos seja completamente superado?

Já faz algum tempo, eu sei. Meu cabelo não é o mesmo, as cores do meu guarda roupa mudaram e meus pés parecem mais frágeis a um salto alto. Quanto tempo mesmo demora até que tudo isso volte a ser como era? Quantas noites quietas, calmas e contidas serão necessárias para que o olhar ansioso do agora tenha, também, a brisa ofegante do calor de antes?

A noite está apenas começando e eu não quero ir embora. Não, sem pelo menos, gastar as poucas notas que me restam ou o brilho escovado dos fios que se levam com o vento. É cedo ainda, minha maquiagem não está nem borrada, meu pé não tem calos e minha bolsa de mão ainda não me irritou por ser pequena ou grande demais. Ainda nem passou da meia noite e minha casa parece estar tão longe. Eu não quero ter pressa de chegar.

O lugar está lotado, a música parece se acertar e você parece tão seguro ao comprar esses dois drinks no bar. Quanto tempo exatamente leva pra que alguém perceba que assim que a vida deveria estar? Quanto tempo mesmo leva para que o sol volte a raiar? O dia vem e o dia vai. E quando esse tempo voltar, por favor, vem aqui me chamar.
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